A primeira receita portuguesa a figurar na extensa lista de Doces do Mundo que compõe o Sweet World foi esta: Patas de Veado.
Isso nunca seria condição para que fosse a primeira nacional a ser executada, pois tantas e tantas vezes nos faz sentido mudar, mas neste caso, e só por acaso, a posição foi respeitada, e nesta 25º edição do desafio resolvemos agarrar este início de ano com uma receita nossa.

Já nos perguntaram porque não costumamos propor receitas portuguesas. A resposta é simples: inovação, desafio e novos sabores. O que nos atrai é aprender, ir mais além e provar coisas diferentes. No fundo, pelas nossas próprias mãos, experimentarmos doces que de outra forma poderíamos nunca conhecer.

Não concordando nada com a ideia de que a nossa doçaria é, em algum sentido pobre, estagnada ou arcaica, a verdade é que a essência conventual está na sua génese, e por esse facto os ingredientes não fogem muito das toneladas de ovos, do imenso açúcar, em calda ou simples, de alguns frutos secos e mais dois ou três itens de relevo.
Sendo, contudo, uma vertente da gastronomia portuguesa que considero forte e marcante, ainda que eventualmente pouco variada, queríamos que um tema nosso apresentasse um mínimo de exigência técnica, e que, ao afastar-se dos poderosos conventuais (esses chegarão a seu tempo), no final das contas nos pudesse deliciar verdadeiramente, com algo estruturado e efectivamente bom ao palato.

Chegamos então às Patas de Veado e logo apetece questionar que doce é este com um nome tão curioso?
É, sem dúvida, um bolo que facilmente reconhecemos das montras das pastelarias, onde, confesso, nunca me atraiu muito, como vários outros.
Resulta de uma torta de massa de pão de ló recheada com doces de ovos, que depois é cortada em fatias diagonais são barradas com doce de ovos e finalizadas com côco ralado e um fio de canela.
De execução pouco complexa e elementos simples, onde se confirma o discurso anterior – ovos, açúcar e farinha fazem a festa – tem eventuais sinais amarelos apenas no enrolar da massa e no manuseamento da fatia ao barrar do creme, que deve ser cuidado.

As poucas referências encontradas remetem-se sempre para um período relativamente recente e para o facto de todos, em miúdos, nos lembramos de ver Patas de Veado nas montras pasteleiras. Algumas eram até tidas como especialistas desta iguaria e estarão para sempre associadas a ela.
Infelizmente algumas casas começarem a deixar de as fazer, relacionando-se este desaparecer do doce ao processo final de barramento das fatias, que ao exigir bastante cuidado no seu manuseamento, se torna demasiado moroso e, assim, pouco prático e rentável.
O seu nome está clara e directamente relacionado com a sua forma que se assemelha a uma pata de veado.

Selecionei a receita do recente delicioso livro da La Dolce Rita “Uma pastelaria em casa” e correu na perfeição. Outras receitas indicam que a massa de pão de ló seja humedecida em calda de açúcar, o que, mesmo que se aproxime da versão original, me parece excessivo. Há também quem aromatize a massa com raspa de limão. Todas as variantes são válidas e fazem parte do imaginário gastronomico de cada um de nós.

Para apreciadores dos sabores e figuras basilares da nossa doçaria tradicional, o resultado é de facto excelente. Juntamos doce de ovos à massa de pão de ló, espevitamos com o côco ralado e agarramos tudo com o toque tão familiar e reconfortante que só a canela consegue conferir.

É simples, é bom, e feitas por nós passam a ser muito mais do que meros aborrecidos bolos de pastelaria. Não dá para abusar mas dá para nos lambuzarmos com uma bela e fôfa patinha de vez em quando.

Se aceitam o desafio e se se querem juntar a nós na execução de Patas de Veado, basta seguirem as seguintes regras:

  • Tem até ao dia 20 de Fevereiro para nos apresentarem o vosso docedeixando aqui neste post o link da vossa participação;
  • Só participações enviadas até este dia serão consideradas;
  • Neste mesmo dia, 20 de Fevereiro, será publicado no blog da Lia o tema da próxima edição;
  • roud up desta 25ª edição será publicado aqui no blog no dia 25 de Fevereiro
O que é nacional é mesmo bom, e aconselho a não perderem a oportunidade de provar esta maravilha feita por nós mesmos.

PATAS DE VEADO

(Receita do livro “Uma pastelaria em casa”, de Rita Nascimento)

Ingredientes

(4-6 patas)

|Massa (Pão de ló)
3 ovos
100 gr de açúcar
75 gr de farinha Tipo 55 (sem fermento)

|Cobertura e Recheio (Creme de ovos)
150 gr de açúcar
75 ml de água
5 gemas
5 gr de amido de milho (Maizena)
10 gr de manteiga

Preparação

Fazer o creme de ovos com antecedência. Levar ao lume num tachinho a água e o açúcar, mexendo até o açúcar dissolver completamente. Parar de mexer até atingir o ponto de pérola (107ºC). Retirar do lume e deixar arrefecer uns 5-10 minutos.
Entretanto bater as gemas e misturar o amido de milho, incorporando bem para não ganhar grumos. Juntar as gemas em fio à calda já fria. Verter novamente a mistura no tacho e levar a lume brando até engrossar, mexendo sempre. Deixar ferver 1 a 2 minutos e retirar do lume.
Juntar a manteiga cortada em cubos pequenos e mexer até que derreta e se ligue completamente ao creme. Conservar no frio com película aderente colada à superfície do creme. Reservar até usar.
Para o pão de ló, pré-aquecer o forno a 180ºC. Untar um tabuleiro de 30x40cm com manteiga e forrar com papel vegetal também untado. Reservar.
Bater os ovos com o açúcar durante 5 minutos até ficar um preparado fôfo. Peneirar a farinha e adicionar delicadamente aos ovos, em 3 vezes, envolvendo com uma espátula.
Verter na forma numa camada fina e levar ao forno cerca de 7-10 minutos até estar cozido.
Retirar do forno e virar sobre um pano polvilhado com açúcar. Remover o papel vegetal e enrolar de imediato em forma de torta, com o pano por dentro como se fosse o recheio, e deixar arrefecer assim.
Depois de fria, desenrolar a torta do pano e espalhar uma camada de creme por toda a superfície, deixando 1-2 cm de margem para o creme não transbordar. Voltar a enrolar, aconchegando bem. Cortar em 3 partes iguais (cortei apenas em 2), e voltar a cortar cada parte ao meio mas na diagonal.
Com cuidado, barrar as laterais e o topo com creme de ovo. Passar as laterais em côco ralado e no topo traçar um risco de canela. Conservar no frigorífico.

Nota: Por opção suprimi a manteiga do creme de ovo, passando assim a doce de ovo mais denso. Comportou-se muito bem e barrou perfeitamente a fatia.
Nota_1: Como usei uma forma de 25x30cm acabei por deixar um pouco de massa de fora para que não ficasse demasiado alta depois de cozida e dificultasse o enrolar.
Nota_2: Normalmente são cortadas em fatias mais finas/pequenas. Deixa-las assim altas foi uma opção pessoal para lhes dar maior expressão. Respeitando a receita obterão 6 porções.