Um livro que reúne no seu título os termos “viagens” e “receitas” só pode ser excelente. Se essas duas palavrinhas tão especiais se remetem ao que de mais essencial existe nesse nosso cantinho que é Portugal, então aí só pode ser perfeito.
Quando o Nelson, autor do site Nelson Carvalheiro Travel & Food, um espaço de sonhos e sabores, que sempre objetivou dar a conhecer o que de melhor o nosso país nos oferece – a sua genuína e riquíssima gastronomia – nos apresentou o seu mais recente livro, confesso que não esperava uma abordagem tão profundamente envolvida nas origens da nossa cozinha, no sentido de se desprender de qualquer tentativa de polimento ou toques de styiling.
As 60 receitas do livro conseguem refletir a autenticidade de um país onde as pessoas se relacionam com a comida de um modo invariavelmente único, dependente até, que ultrapassa em muito questões de mera necessidade fisiológica.
Por cá, a unanimidade e entusiasmo sentidos quando se fala de comida, contrasta brutalmente com tantos outros aspetos em que o negativismo e a cultura do “bota abaixo” imperam.
Nunca ouvi um português (ou não português) dizer que se aqui se come mal. Na comida nunca fomos nem seremos displicentes ou desapaixonados.
Na comida somos os maiores, gostamos de comer e comemos bem. Sentimos falta da nossa comida quando estamos fora, fazemos centenas de quilómetros para ir àquele cozido, marcamos as férias de forma a apanhar aquele festival de peixe e marisco e organizamos os fins de semana de modo a não perder as rotas e tasquinhas por aqui e por ali.
A comida, se não é tudo para nós, é, com toda a certeza, muito.Sendo do norte com raízes familiares no interior, desde cedo a comida me marcou para a vida. Na família abundavam os animais de criação e consumo doméstico. Extensos e recheados quintais, galinhas, coelhos e porcos sempre existiram até à minha adolescência. Assim como também sempre houveram presuntos, moiras e salpicões pendurados na chaminé do fogão a lenha. Ainda hoje existe a nossa “cozinha a lenha”.

Era daquelas que perguntava constantemente “o que vamos comer?”, e que tantas vezes ouvia (ainda ouço) “só pensas em comida!!!”.
Talvez pelas minhas origens, as receitas do livro que mais me surpreenderam foram várias em que o peixe era rei, sendo cozinhado e apresentado em formatos onde o respeito pela matéria prima é sentido e crucial.
Gostei que receitas que desconhecia completamente se equilibrassem com outras tão familiares e geradoras de excelentes recordações.
“Viagens pelas Receitas de Portugal” não é de todo um mero livro de receitas, é muito mais uma bela resenha histórico-gastronómica sobre as nossas iguarias mais enraizadas e marcantes, onde o vernáculo é senhor. Porque conhecer as origens de um prato típico, saber a história por trás do mesmo, as técnicas primordialmente usadas, aprender a cozinha-lo e ter o prazer de o saborear com o maior respeito pela sua essência, é viajar pela nossa cozinha da forma mais fiel possível.
A consciência de que tantos novos sabores me são ainda desconhecidos levam-me a testar ingredientes e combinações que, muitas vezes, tanto se afastam dos nossos.  Mas saber que toda esta paixão e curiosidade tem como base os aromas, texturas ou mesclas que um dia me ofereceram, e que em mim se entranharam, devolvem-me à nossa gastronomia. Sempre!
Esta receita de hoje reflete isso mesmo. Das sobremesas mais simples e deliciosas que conheço faz parte o Requeijão com Doce de Abóbora, iguaria nascida no coração da Serra da Estrela.
Seria impensável não materializar esta proposta do livro, numa roupagem mais elaborada, fresquinha e elegante.
Mostra-se o gelado perfeito para acompanhar este livro tão nosso, que além de me encantar conseguiu cumprir os seus dois grandes objetivos: dar-me fome e dar-me uma enorme vontade de meter roda à estrada por este Portugal fora.
Muito Obrigada, Nelson! 

GELADO DE REQUEIJÃO COM DOCE DE ABÓBORA
(Receita do livro “Viagens pelas Receitas de Portugal”, de Nelson Carvalheiro)
Ingredientes
|Gelado
400 gr de requeijão
250 ml de natas
120-150 ml de água (o suficiente para cobrir o açúcar)
100 gr de açúcar
3 claras de ovo|Doce de abóbora
1 kg de abóbora (usei bolina)
100 ml de água
350 gr de açúcar
1 pau de canela
3 casquinhas de laranja

Preparação

Para o doce: descascar a abóbora e corta-la em cubinhos pequenos. Coloca-la num tacho e juntar o pau de canela, a casca da laranja, o açúcar e acrescentar a água.
Levar a cozinhar em lume brando por cerca de 40-45 minutos, mexendo suavemente de vez em quando, até o doce ganhar ponto e ficar ligeiramente espesso. Ter atenção para não deixar pegar.

Retirar do lume e rejeitar o pau de canela e as cascas de laranja. Passar a varinha mágica sem desfazer tudo completamente.
Distribuir o doce por recipientes herméticos, previamente esterilizados.
Para o gelado, levar a água com o açúcar ao lume cerca de um minuto, apenas até o açúcar ficar totalmente dissolvido.
Começar a bater as claras em castelo e ir juntando em fio a calda de açúcar até ficarem firmes.
Misturar o requeijão com as natas e ir acrescentando às claras, batendo na velocidade mínima.
Forrar uma forma de bolo inglês com película aderente e verter o preparado. Levar ao congelador.
Retirar do congelador cerca de 5 minutos antes de servir, desenformar e acompanhar com doce de abóbora, decorado com amêndoa laminada ligeiramente tostada. 


Para conhecer melhor o livro, aqui.

Imagem: Google